segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Tarifas: para que vos quero?

Quando há cerca de três pares de anos se inquiria a um cidadão português, residente no Continente, de qual o fornecedor energético que este pretendia adoptar, era tomado como certo que em retorno à questão ter-se-ia as “múltiplas” respostas: Energias de Portugal (EDP), EDP universal, ou EDP comercial, por outras palavras este mercado energético era regulado pela EDP e se, porventura, algum indivíduo não quisesse recorrer a este comercializador, não tinha outra opção senão deslocar-se ao mercado da aldeia para comprar outras fontes de energia para a sua casa.
Porém, hoje em dia, cada agente individual ou colectivo tem como possibilidade escolher entre um dos sete comercializadores de energia eléctrica reconhecidos pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) – EDP, EGL, Endesa, GALP, Iberdrola, Gas Natural Fenosa ou Nexus Energía.
Tudo começou em Setembro de 2006, com o início da liberalização do sector eléctrico, assistindo-se à separação da actividade de comercialização da actividade de distribuição, o que permitiu a entrada de novos agentes, introduzindo a concorrência no sector susceptível de aumentar a eficiência das empresas e de gerar benefícios para os consumidores.
Os comercializadores tornaram-se aptos para comprar e vender electricidade livremente e, nesse sentido, adquiriram o direito de acesso às redes de transporte e distribuição, mediante o pagamento de tarifas reguladas. Já os consumidores finais ficaram incumbidos de pagar tarifas que são diferenciadas por nível de tensão e tipo de fornecimento e que deveriam custear a oscilação do preço dos bens energéticos em questão.
Numa tentativa de zelar pelo bem-estar das famílias e da competitividade das empresas, o Estado foi tentado a implementar limites à variação das tarifas. Mas o adiamento de custos do preço dos bens energéticos coloca sob maior pressão um mercado que se vem a afirmar cada vez mais interligado com o sector financeiro. 

Em resultado de um conjunto de medidas de política energética, de subidas não antecipadas do preço dos combustíveis nos mercados internacionais e da “fuga” de consumidores do mercado liberalizado para o mercado regulado, obteve-se uma dívida tarifária que hoje caminha para os 3 mil milhões de euros, somando 1,7 mil milhões de dívida por pagar referente aos anos 2006 a 2009 e ainda 1,1 mil milhões de custos posteriores, que foram diferidos para os próximos anos, para não pressionar as tarifas de 2012.
O problema adjacente é o de que enquanto a dívida tarifária da electricidade não for integralmente amortizada nas tarifas cobradas aos consumidores, a mesma concede aos credores (EDP, Tagus, BCP e CGD) o direito ao recebimento de juros.
Para pôr cobro a este problema, a troika identificara quatro apoios à produção de energia a serem cortados: a garantia de potência, os custos de manutenção do equilíbrio contratual, os apoios às energias renováveis e à cogeração. Em causa estão apoios de 600 milhões de euros e uma redução das rendas excessivas ("altas margens" de lucros)  no mercado de energia nacional. No entanto, o corte destas compensações não é suficiente para impedir novos aumentos da electricidade.
De facto, as previsões apontam para um aumento da electricidade em torno de 1,5% para os próximos anos,  acrescido da taxa de inflação. Um cenário que aponta para subidas em torno dos 4% e os 5% do preço da electricidade.
A conclusão é a de que a afixação artificial dos preços só veio (como é seu hábito) gerar desequilíbrios,  impor a obrigação do pagamento do défice tarifário aos consumidores (que, embora não tendo qualquer responsabilidade na geração desta dívida, verão a dívida a ser amortizada nas tarifas que estão sujeitos a liquidar) e confinar como únicos beneficiários desta situação, a EDP e as instituições financeiras (os credores) a quem já foi titularizada parte da dívida tarifária e os respectivos juros.
Com o número de desempregados a atingir cada vez níveis mais exarcebados, o congelamento do salário mínimo nacional, a implementação de um pacote rigoroso de medidas de austeridade e a aproximação da liberalização total do sector eléctrico (a 1 de Janeiro de 2013 - data a partir da qual os consumidores passarão a sentir no bolso, de forma mais imediata, as oscilações dos preços da energia, especialmente se a tendência de subida dos preços dos combustíveis fósseis se mantiver, ou se se verificarem condições meteorológicas adversas, que contribuam para o encarecimento das energias renováveis), torna-se sensato começar a olhar mais atentamente para o que o Estado pode fazer para ajudar as famílias/entidades portuguesas sem comprometer as metas de redução da Dívida Pública Acumulada.
Uma das medidas, a meu ver, passaria pelo alargamento do prazo de pagamento da factura eléctrica, para os consumidores que detenham uma dívida relativamente baixa e sejam capazes de comprovar a sua insuficiência económica. Em suma, mais do que nunca, é urgente a prática da poupança, excepto na criatividade!
Sandra Maria Soares Ferreira

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho] 

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